Guia MotoX de Nutrição Esportiva - primeiro capítulo
Redação MotoX.com.br - Por Bernardo Starling - Foto: Ray Archer e Garth Milan
O motocross demanda muita energia e um acompanhamento nutricional é fundamental para o melhor desempenho dos pilotos nas pistas
Tive o primeiro contato com a nutrição esportiva quando meu pai, Geraldo Starling, campeão de motocross na década de 1980, buscando melhora no rendimento físico de um piloto de 10 anos, seu aluno, marcou um acompanhamento nutricional com dois dos melhores nutricionistas de Belo Horizonte: Lupércio Farah e Carmen Zita. A partir da melhora significativa do desempenho do garoto nas competições comecei a me interessar por esta área que me viciou assim como a modalidade esportiva.
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O título desta matéria diz muito sobre a evolução da nutrição no rendimento esportivo nos últimos anos. A partir de um novo conceito gerado através de recém-chegados conhecimentos das principais áreas científicas da saúde como a fisiologia, a endocrinologia esportiva e agora também a nutrigenômica (um novo "braço" da biologia molecular e da bioquímica, que estuda como os alimentos além de nutrir podem atuar em nosso código genético - DNA), está sendo possível entender que a nutrição, e a forma como ela é conduzida, interfere diretamente em processos celulares que irão gerar a resposta adaptativa ocasionada pelo exercício.
Esse conceito de periodização nutricional remete-nos à periodização de treinamento físico, que já vem sendo há tempos aplicada por preparadores físicos, que baseiam a montagem da rotina de exercícios dos atletas em seus objetivos específicos daquele momento (ganho de força, fase de recuperação, etc.). No conceito da nutrição também podemos pensar em momentos distintos: a periodização nutricional diária e a periodização de acordo com o momento em que os atletas se encontram (pré-temporada, semana pré-competição - que será discutida mais profundamente em nossa próxima matéria - e até mesmo em momentos de recuperação). Esta periodização diária pode ser exemplificada muito claramente pelos boxers, que desde sempre utilizaram a atividade física em jejum pela manhã - algo que era visto como uma "pseudociência", já que não havia comprovação científica para tal prescrição. Atualmente vários e diferentes protocolos científicos demonstram que a referida prática é benéfica para o aumento do rendimento esportivo a médio e longo prazo.
Falamos em médio ou longo prazo pois sabemos que o carboidrato e os antioxidantes são recursos ergogênicos que têm a capacidade de aumentar o rendimento do atleta durante o exercício; porém estudos atuais mostram que eles podem diminuir a resposta adaptativa ao exercício, que é a forma como o corpo irá reagir ao stress gerado por aquela atividade buscando aumentar o seu condicionamento e, assim, não sofrer tanto na próxima sessão. Alguns autores dizem que isto seria um raciocínio lógico quando pensamos evolutivamente, já que o corpo de um homem das cavernas pouco alimentado, o que significaria baixa eficiência na caça, deveria produzir mais mitocôndria para possibilitar mais capacidade na próxima busca por alimento.
Esquema da sinalização induzida no exercício buscando um aumento da capacidade da mitocôndria (em laranja) em produzir energia e com isto gerar melhor rendimento ao atleta
Sendo assim, entramos em uma questão complicada quando pensamos em atletas de esportes radicais, onde o risco de acidentes é um fator constante. Estudos como o de Bedolla e colaboradores, de 2016, analisando o padrão de quedas na MotoGP, demonstram que em média a cada 10 horas de pilotagem uma queda se faz presente. Já quando analisadas lesões de cabeça e pescoço para 7 diferentes modalidades de esportes radicais, a taxa de incidência anual se mostra preocupante já que a cada 10 mil praticantes cinco deverão sofrer este tipo de lesão. E quando analisamos mais especificamente o Motocross, podemos ver que lesões de cabeça e pescoço representam 12 a 14% dos acometidos por quedas.
Então, o que fazer?
A melhor forma que tenho visto é utilizar os treinamentos "fora da moto" como momentos para usar a técnica de restringir o uso de antioxidantes e carboidratos. Mas devo ressaltar que esta estratégia não implica em diminuir a quantidade de vitaminas, minerais (cofatores de reações) e carboidratos. Ela somente "periodiza" a sua ingestão, até mesmo porque estes serão de extrema importância, tanto para que esta resposta adaptativa ocorra quanto para a manutenção da atividade do sistema imune do atleta.
Evolução humana
Mas, e na prática, como podemos ter estes benefícios?
O mais indicado é a utilização de uma pequena refeição tanto pré quanto pós treino, contendo essencialmente proteína e gordura. O côco se mostra como uma boa opção, por conter um tipo de gordura (conhecidas como ácidos graxos de cadeia média) que é facilmente utilizada pelo corpo e que nos gera energia rapidamente. Além disto o consumo de carboidratos próximo (em geral 3 horas antes e 3 horas após o exercício) deve ser diminuído e a utilização de antioxidantes deve ficar para horários mais distantes desta atividade.
Devemos lembrar também que um trabalho multidisciplinar entre preparadores físicos, médicos do esporte, fisioterapeutas, psicólogos e até mesmo os treinadores da modalidade é o ideal, pois tal estratégia nutricional poderá não ser a mais efetiva em determinados períodos, como em fases em que objetivo é o ganho de força/massa muscular e aumento na qualidade daquela atividade física.
Exemplo de refeição pré e pós-treino para atividades físicas "fora da moto" (uma porção de cada um dos grupos):
Proteína: queijo, carne, whey, proteína da soja, etc.
Gordura: côco (in natura, leite de côco, óleo de côco), castanhas, amendoim, azeite de oliva, abacate, etc.
Porém devemos lembrar que o desenvolvimento de um plano alimentar personalizado por um profissional especializado é a forma mais indicada.
*Para mais informações sobre artigos e literatura utilizada neste artigo entre em contato pelo e-mail:
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Bernardo Starling é ex-piloto, campeão mineiro de motocross e supercross, nutricionista pós graduado em nutrição ortomolecular e nutrigenômica, mestre e professor em bioquímica.
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Referências:
Jeukendrup, Asker E. "Periodized Nutrition for Athletes." Sports Medicine (2017): 1-13.
Gomez-Cabrera, Mari Carmen, et al. "Redox modulation of mitochondriogenesis in exercise. Does antioxidant supplementation blunt the benefits of exercise training?." Free Radical Biology and Medicine 86 (2015): 37-46.
Bedolla, John, et al. "Elite motorcycle racing: crash types and injury patterns in the MotoGP class." The American journal of emergency medicine 34.9 (2016): 1872-1875.